No mês de abril de 2025, a Sotheby’s de Paris realizará o leilão da coleção La Liberté pour dogme, composta por 70 obras pertencentes à jornalista, ativista e fundadora do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Niomar Moniz Sodré Bittencourt. O acervo, pouco exposto ao público até então, reúne nomes centrais da arte moderna e contemporânea, como Pablo Picasso, Marcel Duchamp, Alberto Giacometti, Jean Dubuffet, Maria Martins, Jesús Rafael Soto, entre outros.
Entre os destaques estão Femme nue à la guitare (1909), de Pablo Picasso, e Femme Debout, escultura de Giacometti. Estimativas indicam que as obras podem alcançar valores entre R$ 11 milhões e R$ 22 milhões, respectivamente. Entretanto, o significado da coleção transcende o aspecto financeiro, representando a trajetória de uma figura que uniu arte, pensamento moderno e compromisso político ao longo de sua vida.

Alberto Giacometti, “Femme debout”, c. 1952. Via Sotheby’s
Nascida em Salvador, em 1916, Niomar Moniz Sodré iniciou sua carreira jornalística muito jovem, dirigindo a seção “Questões Femininas” do Correio da Manhã. Ao longo dos anos, consolidou-se como uma liderança no cenário cultural e político brasileiro. Sua contribuição para a arte moderna se materializou em 1955, com a fundação do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio), iniciativa que visava inserir o Brasil no circuito internacional das artes contemporâneas.
A aproximação de Niomar com a cena cultural internacional ocorreu nos anos 1940, durante uma viagem a Nova York, onde estabeleceu contatos com importantes nomes do surrealismo e da arte moderna, como Marcel Duchamp e Peggy Guggenheim. Este período foi decisivo para a concepção do MAM Rio e para a formação de sua visão sobre o papel da arte na sociedade.

Niomar Moniz Sodré Bittencourt e Nelson Rockfeller, então presidente do MoMA em Nova York. Cortesia da Sotheby’s
Em paralelo à sua atuação cultural, Niomar teve papel relevante no jornalismo político. Sob sua direção, o Correio da Manhã se destacou como uma das poucas vozes críticas ao golpe militar de 1964. Como consequência de sua atuação, foi presa em 1969 e posteriormente exilou-se em Paris, onde continuou sua aproximação com o universo artístico europeu.
A coleção que agora vem a público foi construída durante seu período de exílio, refletindo não apenas afinidade estética, mas também um posicionamento ético e cultural. A seleção de obras evidencia uma busca constante por linguagens inovadoras e por artistas que exploraram zonas de instabilidade e transformação.
A realização deste leilão representa uma oportunidade singular de reconhecer a relevância histórica e artística de um acervo que permanece fiel ao legado de sua criadora. A coleção La Liberté pour dogme é, assim, não apenas um conjunto de obras de grande valor, mas também um testemunho de uma vida dedicada à defesa da liberdade de pensamento e à valorização da arte como instrumento de transformação social.

Pablo Picasso, “Femme nue à la guitare”, 1909. © Succession Picasso, 2025