Introdução
O academicismo não deve ser pensado como um estilo artístico específico, mas, antes disso, como um método de ensino e produção de obras de arte que foi introduzido no Brasil no início do século XIX. Nesse sentido, identificamos nas produções associadas à arte acadêmica importantes expressões da arte neoclássica, romântica, realista, simbolista e outras estéticas que deram o tom à virada do século XIX para o XX.
Baseado nos princípios das academias de arte europeias, foi a expressão institucional do sistema de arte que se formava no país. Esse sistema nasceu com a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios fundada por Dom João VI em 1816 por incentivo da Missão Artística Francesa, se consolidou com a Academia Imperial de Belas Artes e o mecenato de Dom Pedro II e encerrou-se com a incorporação de sua sucessora republicana, a Escola Nacional de Belas Artes, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1931.
Uma das principais características do Academicismo é, portanto, sua estreita relação com o Estado, o que gerou repercussões que extrapolam a dimensão artística, como a filosofia e a política. Neste sentido, a arte acadêmica contribuiu significativamente para a formulação de símbolos nacionais e disseminou, visualmente, as bases da identidade brasileira.
Antecedentes – o modelo acadêmico europeu
As academias surgiram no final do Renascimento como uma resposta à necessidade de organizar e elevar o status da produção artística. Anteriormente, a criação ocorria principalmente por meio de guildas, corporações de artesãos e ateliês coletivos, que tinham uma abordagem informal de aprendizado sem aulas regulares nem uma metodologia sistemática estabelecida.
Com o objetivo de estruturar esse sistema e elevar a arte de uma função artesanal qualificada para um ofício liberal, a Accademia del Disegno foi fundada em Florença em 1563. Inicialmente, a academia oferecia palestras teóricas e aulas de anatomia, não diferindo muito das guildas existentes. No entanto, rapidamente se tornou uma instituição educacional respeitada, responsável pelo treinamento de pintores, escultores e arquitetos. Além disso, ela se tornou um órgão consultivo do governo municipal em questões relacionadas a obras públicas na cidade.
Em 1593, a Accademia di San Luca foi fundada em Roma, apresentando uma organização mais objetiva e um cronograma de aulas mais consistente e baseado em princípios práticos e teóricos, incluindo o desenho de observação e a cópia de modelos consagrados, geometria, anatomia, perspectiva, história e filosofia.
Dessa forma, as academias de arte do Renascimento representaram uma mudança significativa na forma como a educação artística era conduzida, estabelecendo um sistema estruturado de ensino e proporcionando uma base sólida de conhecimento prático e teórico para os artistas em formação.
Academicismo no Brasil – a transferência da Corte e a implantação do sistema
O ensino de arte no Brasil até o início do século XIX ocorria informalmente em oficinas entre artistas e seus discípulos, a não ser pela Aula Régia de Desenho e Figura, escola fundada pelo Estado no Rio de Janeiro em 1800 e considerada. Com a transferência da Corte portuguesa para o Brasil em 1808, a demanda por artífices e mestres artesãos aumentou consideravelmente, mas foi apenas em 1816, com a chegada da Missão Artística Francesa ao Brasil que foi iniciado o projeto para a criação da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios.
Liderado por Joachim Lebreton, o projeto tinha como objetivo a formação de artistas e técnicos em atividades como a modelagem, a decoração e a carpintaria. Apesar do qualificado corpo profissional envolvido e o empenho estatal, a Escola enfrentou várias dificuldades e levou pelo menos dez anos para se estabelecer e entrar em funcionamento definitivo. Em 05 de novembro de 1826, com a presença do imperador Dom Pedro I, foi reaberta como Academia Imperial de Belas Artes.
O ensino acadêmico foi marcado por disputas estético-pedagógicas e administrativas, além do baixo investimento em infra-estrutura. Contudo, a AIBA progredia em relevância, sendo um importante centro de formação e produção da arte nacional.
Para a elaboração e avaliação de uma obra, o sistema acadêmico seguia rigorosos princípios técnicos e formais desenvolvidos a partir do estudo de anatomia, perspectiva e técnicas específicas de cada modalidade artística. Esses conhecimentos eram organizados de forma gradual e sua assimilação era testada periodicamente em bancas de avaliação por meio da apresentação de peças de prova, assim como ocorre no sistema acadêmico atual.
Era basilar à formação o estudo do desenho e, para isso, os alunos eram testados em cursos de desenho geométrico, desenho de ornamentos, desenho de estátuas, de elementos da natureza, de elementos arquitetônicos, e por fim, coroando todos, o desenho de modelo vivo. A diversidade tinha como objetivo habilitar o aluno a representar cenas complexas e verossímeis.
A partir de 1845, foram instituídos os Prêmios Viagem destinados aos alunos mais destacados a fim de garantir o aperfeiçoamento das técnicas e a vivência no exterior, onde aprendiam com mestres e tinham contato direto com obras-primas.
Apogeu da arte acadêmica brasileira – o Romantismo
Muito relacionado aos movimentos nacionalistas europeus, ganhou força no Brasil no período pós-independência e perdurou até o final do século XIX, sendo utilizada habilmente pelo movimento nacionalista liderado por Dom Pedro II com o objetivo de fortalecer a coesão interna.
Para isso, foi incentivada a representação visual de eventos históricos significativos, de retratos da natureza e do povo, e a valorização da cultura indígena. Como resultado, um conjunto de obras de grande valor estético e histórico foi produzido, e até hoje compõe o acervo dos mais importantes museus nacionais. Nesse movimento inserem-se os principais nomes da arte acadêmica brasileira, como Victor Meirelles, Pedro Américo, Rodolfo Amoedo e Almeida Júnior, além do trabalho precursor de Manuel de Araújo Porto-Alegre.
Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806 – 1879)
Foi um dos responsáveis pela atualização do sistema acadêmico e, por isso, exerceu grande influência sobre toda uma geração de artistas. Na pintura, deixou uma produção limitada, contudo, destacou-se como crítico e pensador da modernidade e do nacionalismo no Brasil.
Pedro Américo (1843-1905)
Autor das mais célebres obras do gênero da pintura histórica no país, dentre as quais “Independência ou morte” e “A batalha do Avaí”, teve grande participação nos debates acerca da modernização estética brasileira.
Victor Meirelles (1832 -1903)
Assim, como Américo, pintou marcantes cenas históricas, como “A Primeira Missa no Brasil” e “Batalha dos Guararapes”, na qual destacam-se influências do neoclassicismo e neobarrocas.
Rodolfo Amoedo (1857 – 1941)
Com importante contribuição aos temas mitológicos e bíblicos, sua obra de maior destaque é “O último Tamoio”, uma das mais relevantes expressões da tendência Indianista no Romantismo.
Almeida Júnior (1850-1899)
Dos românticos, foi o que melhor assimilou o Realismo, especialmente em seu aspecto regionalista. Em suas obras destacam-se personagens simples e anônimos e a fidedignidade com que retratou a cultura caipira, como observamos em “O Violeiro”.
Fim do ciclo
No Brasil, o sistema acadêmico no Brasil foi questionado desde sua origem, mas foi com a fundação da Revista Ilustrada na década de 1870 que a oposição, representada principalmente por Angelo Agostini, acirrou. O crítico questionava sobretudo o projeto de identidade nacional reproduzido pela academia e seu sistema de ensino. Havia, nesse momento, vozes dissonantes que defendiam práticas alternativas, como Georg Grimm e seu grupo.
Com a proclamação da República a velha Academia Imperial foi convertida na Escola Nacional de Belas Artes, com Rodolpho Bernardelli na direção, também professor de escultura e respeitado artista. A administração de Bernardelli foi um período de grande contestação e reformulação, tendo promovido a demissão de importantes nomes, como Victor Meirelles, do quadro docente.
Em 1915, Bernardelli deixou o cargo e a escola viveu um período de transição com a flexibilização das exigências educacionais e a sucessão de correntes estéticas, como o Simbolismo, o Impressionismo, o Expressionismo e a Art nouveau. Finalmente, em 1931, a Escola foi absorvida pela UFRJ a partir da reformulação do ensino superior no país.