A potência visual e política de Adriana Varejão encontra, em 2025, dois palcos de grande impacto: Nova York e Lisboa. Em exposições distintas, mas igualmente arrebatadoras, a artista brasileira reafirma seu lugar como uma das vozes mais relevantes da arte contemporânea, navegando entre história, corpo, cerâmica, floresta e colonialismo com uma força visceral e poética.
“Don’t Forget, We Come From the Tropics” – Hispanic Society Museum & Library, Nova York
🗓 27 de março a 22 de junho de 2025
A primeira individual de Varejão em um museu nova-iorquino não poderia ser mais simbólica — e necessária. Com curadoria atenta e uma montagem pensada especialmente para o estilo barroco do Hispanic Society Museum & Library, a exposição “Don’t Forget, We Come From the Tropics” é uma resposta sensível e crítica ao espaço museológico, ao legado colonial e à exuberância das culturas do sul global.
Vista da exposição “Adriana Varejão: Don’t Forget, We Come From the Tropics” no Hispanic Society Museum & Library. Imagem: reprodução via hispanicsociety.org
No coração da mostra estão as novas obras da série “Pratos”, peças tridimensionais que combinam escultura, pintura e história material. Inspiradas por tradições cerâmicas diversas — da Iznik turca à Ming chinesa, da valenciana à cerâmica marajoara pré-colombiana —, essas obras evocam a vastidão de conexões culturais e temporais que a cerâmica pode conter. “Os pratos são um espaço de sobreposição de tempos e geografias”, diz Varejão, “onde mitologias convivem com a história global da cerâmica.”
Esses pratos tropicais ganham vida com figuras de animais e frutos da Amazônia — todos batizados com nomes de origem tupi-guarani, como Guaraná, Urutau e Mata-mata. As peças nascem da experiência da artista na 1ª Bienal das Amazônias (2023), onde retomou o diálogo com temas que já explorara na mostra “Yanomami – o Espírito da Floresta” (2003). O mar dá lugar à floresta; a cerâmica se torna território de resistência e memória ambiental.
Ao entrar no museu, os visitantes se deparam com uma imponente sucuri de fibra de vidro, enroscada na estátua de El Cid. Esse gesto simbólico transforma o espaço: a serpente desafia o cavaleiro colonizador, reconfigurando narrativas de poder e autoridade.
Como parte do programa de arte contemporânea do museu, a exposição também inclui uma seleção de cerâmicas históricas da coleção institucional, escolhidas pela própria artista, em diálogo direto com sua produção.
“Entre os vossos dentes” – CAM Gulbenkian, Lisboa
🗓 11 de abril a 22 de setembro de 2025
De Nova York a Lisboa, Varejão aparece agora em parceria com outra gigante da arte: Paula Rego. Na exposição “Entre os vossos dentes”, o Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian propõe um encontro entre duas artistas de gerações diferentes, mas unidas pela coragem de confrontar histórias e violências — tanto pessoais quanto coletivas.
Inspirado em um verso da poeta brasileira Hilda Hilst, o título da mostra aponta para o teor cru e incisivo das obras apresentadas. São cerca de 80 trabalhos que desenham trajetórias paralelas, feitas de cortes, camadas e desconstruções. Se em Rego há uma violência suspensa, contida no gesto ou na fábula, em Varejão ela se materializa em carne exposta, fissuras cerâmicas e vísceras visuais.
A cenografia reforça essa tensão: 13 salas que alternam entre o íntimo e o monumental, com passagens labirínticas e arquiteturas que espelham o corpo humano — a pele que esconde a ferida, o espaço doméstico que abriga o trauma. Nessa dramaturgia espacial, as obras se tornam protagonistas de uma história contada a várias vozes.
Apesar de separadas por oceanos e contextos distintos, Rego e Varejão convergem na subversão de narrativas hegemônicas. Ambas escavam o passado — da história oficial à memória íntima — para revelar o que ficou entre os dentes dos poderosos: ossos, sangue, corpos colonizados e silenciados.
