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Radar contemporâneo: Lucas Arruda – A luz como paisagem interior

No universo cada vez mais saturado e hipervisual da arte contemporânea, a pintura de Lucas Arruda se impõe de maneira silenciosa, quase sussurrante. São obras que não gritam, não narram, não se mostram de imediato. Elas convidam o olhar a desacelerar, a habitar a imagem aos poucos — como quem observa o céu escurecendo lentamente ou a névoa surgindo ao longe, dissolvendo o contorno das coisas. É justamente nessa suspensão entre o visível e o indizível que reside a potência de sua obra.

Nascido em 1983 em São Paulo, Arruda se formou em artes visuais pela Faculdade Santa Marcelina em 2009, mas já desde cedo demonstrava um interesse pouco convencional para o tempo e o lugar: mergulhava de forma obstinada na tradição da pintura de paisagem — gênero clássico da história da arte — para tensionar seus limites, esvaziar suas certezas e recompor seus sentidos. Ao longo dos anos, ele desenvolveu uma prática altamente coesa e refinada, explorando com rigor técnico e sensibilidade poética as possibilidades da luz, da memória e da percepção.

Em suas palavras, “acredito que a luz é o que une minhas obras, como se eu estivesse constantemente equilibrando luz e sombra”. Essa busca é visível tanto em suas pinturas quanto em suas instalações e projeções, onde o horizonte, ora nítido, ora difuso, estrutura atmosferas cromáticas que flertam com o sublime. Apesar de serem frequentemente lidas como paisagens, o próprio artista afirma que essa classificação é cultural, e não intencional: “nenhuma das imagens tem origem em um lugar específico. É a ideia de paisagem como estrutura, não como lugar”.

Lucas Arruda, Untitled (from the Deserto-Modelo series), 2024 | Mendes Wood DM

Lucas Arruda, Sem título (da série Deserto-Modelo), 2024 | Mendes Wood DM

A série mais conhecida de Arruda, Deserto-Modelo, dá nome a várias de suas exposições individuais e sintetiza bem o espírito de sua obra: um espaço mental, um arquétipo de paisagem interior, onde luz, cor e matéria se articulam em composições ao mesmo tempo delicadas e densas. À primeira vista, seus quadros parecem abstrações puras, mas um olhar mais atento revela sugestões de céu, mar, floresta ou aurora. A tensão entre figuração e abstração está sempre presente, e raramente há qualquer elemento descritivo. Em vez disso, suas imagens operam na zona do sensível, do atmosférico, do quase-sonho.

Sua técnica também contribui para esse efeito enigmático: pinceladas curtas e incisivas, superfícies texturizadas, paletas contidas e transições sutis entre tons criam uma vibração visual quase hipnótica. Em algumas obras, especialmente nas mais recentes, surgem elementos mais definidos — árvores, matas, clareiras —, mas nunca com intenção descritiva. São fragmentos de lembranças, imagens em trânsito entre o vivido e o inventado.

 

Exposições e projeção internacional

Nos últimos anos, Lucas Arruda consolidou-se como um dos artistas brasileiros mais influentes no circuito internacional. Em 2025, sua obra ocupa um espaço emblemático: a Galeria dos Impressionistas no Musée d’Orsay, em Paris, com a exposição Qu’importe le paysage, estabelecendo um diálogo instigante com a tradição da pintura luminista europeia. No mesmo ano, apresenta uma individual no Carré d’Art – Musée d’art contemporain de Nîmes.

Lucas Arruda. Qu'importe le paysage | David Zwirner

Lucas Arruda. Qu’importe le paysage | David Zwirner

Lucas Arruda. Qu'importe le paysage • La première exposition monographique consacrée à Lucas Arruda, artiste emblématique de la scène contemporaine brésilienne dans un musée français est à découvrir jusqu'au 20 juillet 👉

Sua trajetória institucional é extensa. Em 2024, realizou uma instalação site-specific no templo Daitoku-ji Ōbai-in, em Kyoto, e participou da 38ª edição do Panorama da Arte Brasileira (MAM-SP). Em 2023, sua exposição Assum Preto ocupou a biblioteca do histórico Ateneo de Madrid, sob curadoria de Hans Ulrich Obrist. Antes disso, suas mostras Lugar sem Lugar (Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, 2021) e Deserto-Modelo (Fridericianum, Kassel, 2019) marcaram momentos cruciais em sua consolidação institucional.

Ele também participou de coletivas relevantes, como Natureculture (Fondation Beyeler, 2021), Luogo e Segni (Punta della Dogana, Veneza, 2019), e Aprendendo com Miguel Bakun: Subtropical (Instituto Tomie Ohtake, 2019). Sua presença em exposições na Fondation Beyeler, Palais de Tokyo, Dhaka Art Summit, Bienal de Coimbra, entre outras, atesta sua circulação em diferentes geografias e contextos curatoriais.

Lucas Arruda | Mendes Wood DM

Reconhecimento crítico e coleções

Desde 2018, Arruda é representado pela prestigiada David Zwirner Gallery, com mostras individuais em Londres (2017), Nova York (2019, 2024) e Paris (2022). Seu trabalho integra algumas das mais importantes coleções públicas e privadas do mundo: Centre Pompidou (Paris), Tate (Reino Unido), Solomon R. Guggenheim Museum (Nova York), Fondation Beyeler (Basileia), Rubell Museum (Miami), Pinacoteca do Estado de São Paulo, MASP, entre muitos outros.

Além disso, sua obra já foi objeto de publicações significativas. A monografia lançada pela Éditions Cahiers d’Art em 2018 contou com textos de Fernanda Brenner, Chris Sharp e Hans Ulrich Obrist. Em 2020, a David Zwirner Books lançou um volume com ensaios de Will Chancellor e Barry Schwabsky, aprofundando o debate crítico em torno de sua produção.

Em tempos marcados pela saturação da imagem, pela aceleração dos fluxos e pela hiperexposição, a pintura de Lucas Arruda nos devolve algo essencial: a experiência da contemplação. Ao suspender a narrativa, o gesto espetacular e a referência direta, suas obras abrem espaço para que o olhar vagueie, encontre ressonâncias, fabrique sentidos.

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